segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

BATE-PAPO COM NILTON SANTOS, ESPECIALISTA EM ESCOLAS DE SAMBA E AMANTE DO FUTEBOL


Doutor em Antropologia Cultural pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), especialista em desfile de escolas de samba e amante do futebol, Nilton Silva dos Santos conversou com o FUTEBOLA sobre a relação histórica entre estas que talvez sejam as duas mais reveladoras instituições sociais brasileiras: o carnaval e o futebol.

FUTEBOLA: Historicamente e/ou sociologicamente, seria possível estabelecer algum parentesco entre samba e futebol?
NILTON SANTOS: O primeiro concurso organizado de escolas de samba teve o Jornal dos Sports como um dos patrocinadores. Existe, sim, um parentesco entre o esporte e o carnaval. O nascedouro desta forma moderna de competição entre escolas teve o Jornal dos Sports, na figura do Mário Filho, como um de seus organizadores.

FUTEBOLA: Quando jogador do Barcelona, Romário queria dois dias de folga para vir ao Brasil curtir o carnaval. Cruyff, então treinador, disse que daria os dias livres ao “Baixinho” caso ele marcasse dois gols no jogo seguinte. Romário, craque como poucos, cumpriu o pedido e ganhou seu carnaval. Já Edmundo, em 1999, ganhou folga da Fiorentina para poder pular o carnaval carioca, o que muitos dizem ter sido a senha para o time de Florença desandar no Campeonato Italiano. Você acha que o futebol brasileiro deveria parar no Carnaval e dar tempo livre aos jogadores?  
NILTON SANTOS: Há especificidades nos calendários futebolísticos mundo afora. No Campeonato Inglês sempre se joga no dia 1º de Janeiro. Acho que seria interessante se nós entendêssemos a importância do Carnaval e não tivéssemos jogos, por exemplo, na Quarta-feira de Cinzas. Cidades de todo Brasil param durante o carnaval e seria interessante que o futebol também respeitasse esta festa e os desdobramentos que ela acarreta sobre as pessoas.

FUTEBOLA: Você acredita que, como o futebol brasileiro, as escolas de samba se afastam cada vez mais de suas raízes e vão em direção a uma modernidade que não necessariamente representa uma evolução?
NILTON SANTOS: Não sou saudosista. Eneida [escritora da obra História do Carnaval Carioca] dizia que as piores coisas para o carnaval são os saudosistas e a polícia. Vejo escolas de samba nas quais as comunidades estão fortemente vinculadas. Não podemos mais dizer que as escolas serão compostas somente com as pessoas que moram em tal morro, tal favela, tal bairro... A escola de samba agrega pessoas dos mais diferentes estratos, e muitas da própria comunidade. E o caso da Beija-Flor é notório, pois ela sempre ganha notas altas nos quesitos que exigem o canto, a dança, o conjunto, a entrega, a harmonia... Ela pode perder notas em enredo ou samba-enredo, mas nos quesitos que envolvem o comprometimento com a escola ela vai bem. E poderíamos citar outros exemplos, como a Imperatriz, na área da Leopoldina, a Viradouro, em Niterói, e outras mais tradicionais. Neste sentido as escolas ainda são parte da sua localidade, por mais que existam setores diversos, oriundos de outras partes da cidade, que convergem para as escolas de samba.

FUTEBOLA: Hoje em dia, falta carnaval no jogo brasileiro?
NILTON SANTOS: Acho que perdemos, nos últimos tempos, a liberdade do toque de bola, do drible, e a própria postura de alguns jogadores com outros mais habilidosos, com o chutão, a falta, a agressão, a intimidação, é uma prova. Isto tem a ver com uma concepção de futebol que desde as categorias de base privilegia não o menino habilidoso, mas o mais alto e forte, porque ele será um bom zagueiro ou cabeça de área. Isto que inventaram agora de que o jogador é muito bom para desarmar no meio-campo, mesmo que ele não saiba o que fazer com a bola depois. Retomar a habilidade, a intimidade com a bola é o que precisa ser feito. É até curioso se pensamos em certas figuras que andaram militando no futebol brasileiro, símbolos que retratam um pouco do nosso panorama, como a tal da Era Dunga, que para mim foi um momento triste do futebol. Tentaram dizer que foi um exagero, mas, do meu ponto de vista, foi o marco de um futebol limitado. Quando você vê Xavi e Iniesta, no Barcelona, fica gritante a diferença de um meio-campo que sabe tocar, sabe lançar, e um que tem pouca intimidade com a bola. Por mais que tenha força, raça e empenho, a habilidade deixa a desejar.

FUTEBOLA: Nos últimos quatro anos, você foi julgador de enredo no Grupo de Acesso das Escolas de Samba. O que seria um enredo nota 10 relacionado ao futebol?
NILTON SANTOS: O futebol dá uma infinidade de possibilidades. Lembro-me da Beija-Flor, com o enredo “o Mundo é uma Bola”. A bola como objeto, a Copa do Mundo como evento... Dá samba, dá carnaval. Se for oficializado que os enredos, em 2014, sejam sobre futebol, cada carnavalesco saberá dar uma leitura própria. Há uma multiplicidade de possibilidades: os que trouxeram a bola ao Brasil – escoceses ou ingleses? –, como o futebol se espalhou pelo país, como os inventores do futebol não são os melhores, como o Brasil ganhou cinco Copas do Mundo, o êxodo de jogadores brasileiros, os clássicos locais... 

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